Uma garrafa ao mar
“Trata de saborear a vida; e fica sabendo, que a pior filosofia é a do choramingas que se deita à margem do rio
para o fim de lastimar o curso incessante das águas.
O ofício delas é não parar nunca; acomoda-te com a lei, e trata de aproveitá-la.”
(Machado de Assis – Memórias Póstumas de Brás Cubas)
Querido desconhecido,
Ao achar essa garrafa com esta carta lançada ao mar, meu templo na vastidão desse planeta, saiba que a escrevi aos 47 anos e meio de vida, em 2022. Dependendo de que parte do futuro você esteja eu ainda posso estar viva. Assim pretendo permanecer por, no mínimo, mais 40 anos, portanto, faça as contas. Mas isso pouco importa. O que importa mesmo é como conduzi tudo enquanto tive a honra de estar por aqui. Tenha certeza de que o dia que chegar o ponto final da minha existência, sairei de cena com muita má vontade. Sou uma apaixonada pela vida. Aprendi a amar essa malvada, mesmo com todos os seus desencantos.
Deixo essa mensagem para eternizar meu amor por quem eu sou. É um imenso barato ser Fabiana Rongo. Um baita prazer!
Faço da minha vida o meu palco. Sou a protagonista absoluta da minha história. Decidi muito cedo que ela iria muito além do plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Na minha vida cabe um universo inteiro de possibilidades. Cumpri a “profecia”, plantei árvores, escrevi livros, tive um filho, mas navego por muitos outros mares. Mergulho! Banho-me!
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Peço licença ao Poetinha para apropriar-me de sua obra ao falar dos amores que vivi e daqueles que ainda viverei:
“De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive)
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.”
Obrigada por isso, Vinícius!
Como imortalizei em algum capítulo de algum livro meu “Com a maturidade, parei de pensar no amor para sempre e passei a pensar no amor para ser vivido no dia a dia, todas as horas. Como sempre digo, o amanhã é apenas um talvez. É o hoje que me interessa. Procuro me encantar mais e encanar menos. É como canta Djonga, um dos ídolos do meu filho: o meu pra sempre é o agora, e eu me contento com isso."
Sinto-me uma mulher realizada, mesmo me despedaçando um pouquinho a cada final. Faz parte da escalada da vida juntar os cacos que formam o mosaico da nossa história.
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E por falar em amor, amo-me incondicionalmente. Até aqui, tenho convivido muitíssimo bem com a minha própria companhia. Porém, não me basto quando o assunto é sexo, tesão, pele com pele. Ninguém é autossuficiente em todos os setores da vida. Eu não sou! Eu me amo, mas não me beijo na boca. Puta coisa boa é beijo na boca! Eu não me abraço ao ponto de me arrepiar. Eu não estremeço com os meus próprios dedos entrelaçados nos meus cabelos. Os “pecados da carne” me seduzem demais. Orgasmos solitários existem, são bons, mas a dois são muito melhores. Suores e cheiros embaralhados, sensações misturadas, prazeres emaranhados. Assim eu sou ainda mais feliz.
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Enxergo a morte como o fim. Não tenho crenças ou filosofias de que possa existir uma outra vida e não quero pagar para ver. Quero sorver até o último pôr do sol, apreciar cada paisagem, cada companhia, cada gargalhada, cada música, cada livro… e assim tem sido. Espero conseguir me manter no doce balanço do bem viver. São tantas as maravilhas! Quero sentir profundamente cada prazer. Não levarei nada comigo ao fechar os olhos pela derradeira vez, mas sei que deixarei por aqui o meu legado. Que ele seja de afeto, amor, carinho e boas lembranças para aqueles que ficam. Que um sorriso brote no rosto de cada um que cruzou o meu caminho ao lembrar dos momentos compartilhados. Que o meu coração seja a referência.
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Cheguei a esse mundo sozinha e partirei sozinha, mas levarei a certeza de que tive o privilégio de desfrutar das mais deliciosas companhias. Tenho tido muita sorte.
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Não quero carregar arrependimentos. Não quero a palavra “devia” no meu epitáfio como na música dos Titãs:
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“Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais…”
Amo desmedidamente, permito-me chorar sempre que a emoção bate à minha porta, aprecio os nasceres do sol, arrisco mesmo com medo, e erro, sou humana. Não sou de economias, gosto mesmo é de fartura, de esbanjar o meu viver. Talvez, meu epitáfio seja assim:
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“Amou demais
Chorou demais
Viu incontáveis nasceres do sol
Arriscou sempre que julgou necessário
Errou e se perdoou…”
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Meu caminho tem sido para frente, mas me permito olhar pelo retrovisor, vez ou outra, para admirar o quanto avancei. A cada espiadinha um contentamento e eu me apaixonando mais pela mulher que me tornei.
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Confesso que não consigo colocar um ponto final nesta carta, pois sei que os próximos capítulos prometem ainda mais. Ainda há muito a viver! Portanto, termino assim sem fim, ansiando os próximos 40 anos. Que venham!
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