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Bem me quero

“Eu escrevo para nada e para ninguém.

Se alguém me ler será por conta própria e auto-risco.

Eu não faço literatura: eu apenas vivo ao correr do tempo.

O resultado fatal de eu viver é o ato de escrever.”

(Clarice Lispector)

 

Depois de mais uma semana intensa, de demandas diversas desse existir plural que adotei, sento-me diante do computador, num domingo cinzento que inaugura o outono de 2022, olhando fixamente para a página em branco que se apresenta à minha frente, esperando por uma inspiração que não vem.

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Releio anotações antigas em busca de algum insight milagroso e nada. Tudo me parece tão repetitivo. Eu já disse tanto através da minha escrita, e sinto que ainda tenho tanto a dizer, mas a inspiração, essa companheira tão simbiótica dos escritores, parece ter soltado da minha mão por um instante. Lembro-me de uma frase de James Dickey, poeta norte-americano, “Um poeta é alguém que fica na chuva esperando ser atingido por um raio.” Estou sob essa chuva à espera do meu raio revelador. O relógio acelera e ainda nada.

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Na playlist, que toca baixinho me fazendo companhia, surge a voz potente da Ana Carolina cantando Problemas. Desvio o foco e passo a prestar atenção na letra. Eis que surge meu raio, fui atingida:

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“Consigo ver porque tá tudo tão incerto!
Será que foi alguma coisa que eu falei?
Ou algo que fiz que te roubou de mim?
Sempre que eu encontro uma saída
Você muda de sonho e mexe na minha vida.”

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Numa única estrofe, cantada em poucos segundos, revivi um passado inteiro. Revisitei uma Fabiana que já não sou mais, mas que tem um impacto imenso na Fabiana que sou hoje. Revivi algumas histórias. Algumas cicatrizes latejaram, mas percebi que já não me causam dor.

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Peguei-me pensando em quantas vezes, ao final de uma relação, culpei-me descabidamente pelo fracasso daquela história.

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O refrão ecoa:

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“Será que foi alguma coisa que eu falei?
Ou algo que fiz que te roubou de mim?”

  

Mais de uma vez, assumi erros, engolindo palavras proferidas sem responsabilidade pelo outro na sua vil tentativa de me culpabilizar por tudo. Minha personalidade, o modo como conduzo minha vida, o que faço, o que falo, minhas escolhas, sempre foram usados como justificativa para o fim. A cada final, eu era apontada como o próprio demônio de minissaia, segundo alguns egoístas que cruzaram o meu caminho.

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Para aqueles que muito exigem e pouco doam é sempre mais fácil apontar o dedo, vitimar-se, do que encarar as próprias profundezas. O raso é o lugar dos covardes.

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Como sempre digo, ninguém é obrigado a ficar com ninguém. Ainda bem! Ninguém merece viver frustrado e infeliz, mas há de se ter muita responsabilidade ao entrar e ao sair da vida de alguém.

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Ana Carolina segue cantando:

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“Se pra você a guerra está perdida
Olha que eu mudo os meus sonhos,
Pra ficar na sua vida!”

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Enxergo-me me encolhendo, virando um quase nada, indo contra minha vontade, tomando decisões e atitudes que me desagradavam para agradar o outro, mudando de sonhos na tentativa vã de não deixar aquele barco já naufragado afundar de vez. Quanto desperdício de energia vital!

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Quando uma relação chega nessa fase, onde precisamos fazer malabarismos para agradar, para reencaixar, já era. Nada será eficiente, tudo será um amontoado de tentativas desesperadas de evitar o inevitável e apenas gerarão desgastes desnecessários.

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Como escrevi na semana passada em Eu aprendi a dizer adeus, “O apego é uma das mais eficientes âncoras que nos mantém em lugares ou situações que não nos comportam mais. É preciso saber a hora de partir, é o que dizem, e eu concordo.”

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Eu já amei demais nessa vida, e jamais abrirei mão do amor enquanto respirar. Mas, hoje, eu sei que eu me amo mais. Que eu sou a minha prioridade, o meu bem querer. No fundo, a única coisa que realmente temos nessa loucura que é existir somos nós mesmos. A gente se pertence e esse é o nosso maior tesouro. Não podemos ser irresponsáveis e entregá-lo em quaisquer mãos ordinárias. Não mais! Não com a maturidade sendo nos entregue de bandeja. Ela não pode ser sinônimo apenas de acúmulo de anos vividos, mas sim de sabedoria, evolução. A escolha é todinha nossa!

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Eu escolho o caminho das flores, o das pedras eu já percorri. Vem comigo?

 

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© 2025 por Fabiana Rongo e Jaimar Martins | Criado com Wix.com

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