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Ouvir é acolher

“Acho incrível a capacidade de mergulhar no mundo do outro, na intimidade do outro,

no dilema, no problema e na loucura do outro.
É, e é isso que gente faz quando ouve a canção do outro.”

(Patrícia Rezende)

Saber ouvir é um dom. Não basta apenas escutar, ouvir vai além. Tem que ter disposição, compreensão, acolhimento e, muitas vezes, uma dose de paciência. Saber ouvir é doação de tempo e de afeto. É saber o momento de calar e receber. É entender que aquilo é sobre o outro e não sobre você. É saber escutar não apenas com os ouvidos, mas também com o coração.

Num mundo cada vez mais líquido, como conceituou Bauman, onde se vive de efemeridades, ninguém quer saber de ouvir ninguém. Todos têm pressa em ter razão. Tomo por exemplo as redes sociais. Uma treta é substituída por outra na velocidade da luz. Nenhum assunto é discutido profundamente, fica tudo no campo das superficialidades, temperado com uma dose de gritaria e outra de ofensas, seguido de um block. Todo mundo tem “aquela velha opinião formada sobre tudo”.

A decisão do Chico Buarque em não cantar mais “Com açúcar e com afeto” gerou um tremendo bafafá esta semana nas redes “antissociais”. Todos esqueceram a malhação do Judas da vez, Olavo de Carvalho, e prontamente mudaram de assunto. Bora malhar o Chico! É válido e necessário desenvolvermos nosso próprio raciocínio e termos nossa própria visão sobre os diversos assuntos que surgem durante o girar da Terra enquanto aqui estamos, mas isso não significa ter razão ou ser dono da verdade absoluta. Os egos precisam descer alguns degraus.

Não vou entrar aqui no mérito da discussão, minha opinião ousei registrar na minha página do Facebook e, uma vez que escolhi entrar na chuva, tive que me molhar. A interpretação de texto é rasa, é como não saber ouvir. Um cara entrou no meu post praticando um baita mansplaining, explicando o porquê eu estaria errada. Respondi-lhe educadamente que entedia a visão dele, agradeci, inclusive, por me explicar aquilo que eu já havia entendido, mas que o meu texto dizia outra coisa. Ele seguiu “gritando”, explicando, e não levando em consideração o que eu realmente havia dito. Conclusão: ninguém convenceu ninguém e ele se retirou ofendido. Tudo tão desnecessário e cansativo. Um dia descubro por que insisto, deve haver uma dose de masoquismo nisso.

Quando o ouvir entra no campo pessoal há de se ter ainda mais zelo e cuidado. Quando alguém escolhe desabafar no nosso ombro, seja por desespero, solidão, falta de opção, confiança ou carinho, temos que estar disponíveis e, caso não estejamos, devemos deixar isso claro. Respeito é premissa básica. Deixar os julgamentos de lado e ouvir com o coração limpo é muito bem-vindo. O mundo não gira em torno daquilo que temos como lema para nossas vidas. Cada história é uma história, composta por personagens diversos. Há de se entender o todo e o contexto em que este todo está inserido. Antes de falar qualquer coisa, é necessário se colocar no lugar do outro, tentar enxergar a vida através daquele outro mundo que te acessa.

O “mas eu, eu, eu, eu... fiz isso, fiz aquilo... faria assim, faria assado...” é dispensável. O palco não é nosso nesse momento. Saber ouvir é também saber ser plateia atenta. Aconselhar requer responsabilidade, pois isso poderá gerar ações.

Estamos cada vez mais individualistas, vivendo relações expressas, com afetos cada vez mais raros. Encontrar alguém disposto a ouvir, e que tenha essa capacidade, é como encontrar um oásis em meio ao deserto. Infelizmente somos a era das exceções e não da regra para muitas coisas básicas.

Da minha parte, procuro ser uma boa ouvinte, falho humanamente, mas insisto, persisto, não desisto. Escolho ser colo e afago. Escolho ser a paz em meio a guerra pessoal de alguém.

© 2025 por Fabiana Rongo e Jaimar Martins | Criado com Wix.com

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