Há perfume em minha vida
“Pare! Respire! Relaxe!
Abra as portas da tua alma e sinta os aromas e sabores da vida!”
(Malu Silva)
Perfumes, cheiros, aromas, odores são como uma máquina do tempo. Nosso sentido olfativo tem o dom de nos transportar, de nos colocar frente a velhas histórias, de nos levar a reviver momentos, de nos permitir matar a saudade de sensações há muito adormecidas.
Tudo aquilo que vivemos é marcado por um cheiro específico. Nossa memória é prontamente ativada quando entramos em contato com aromas que marcaram certas fases ou pessoas que cruzaram nossas vidas.
Aqui, faço o caminho inverso, fecho os olhos para retroceder alguns anos, e volto à sala de aula do Jardim da Infância. Os cheiros familiares do giz de cera e da massinha de modelar me levam a sorrir, e logo são substituídos pelo de café com leite e bolo de laranja servidos pelas merendeiras na hora do recreio. As lembranças desses aromas me trazem imagens e com elas chegam os sons:
“Meu lanchinho, meu lanchinho, vou comer, vou comer!
Pra ficar fortinho e crescer! E crescer!”
Não sabia que a minha memória guardava essa musiquinha. Que doce reencontro! Ao me permitir essa viagem, tantas outras voltaram à superfície.
Deixo a mente voar um pouquinho mais, e me vejo na sala de ballet aos seis anos de idade. Na minha lembrança ela é gigante, e me causa um deslumbramento que chega a emocionar. O cheiro do couro das sapatilhas cor-de-rosa ainda é tão presente, tão vivo em mim, e me traz um imenso bem-estar.
A minha casa da infância cheirava à limpa-carpetes e amaciante de roupas, porém o aroma vindo das panelas é o mais marcante. Tempero de mãe! Molho de tomate apurando no fogão. O louro que refogava o feijão. O bife acebolado. O bacalhau do domingo.
Ao pensar no meu pai, sinto exalar colônia italiana de pinho silvestre e desodorante Tres Brut de Marchand. Minha mãe sempre foi requintada, fruto de seu trabalho por 16 anos numa das butiques mais baladas de Copacabana, no Rio de Janeiro. Ali ela aprendeu a usar os perfumes franceses famosos à época, mas pouco acessíveis: Calandre, Miss Dior, Fleur de Rocaille, Madame Rochas, Mademoisélle Chanel, First da Van Cleef & Arpels, e por aí seguia a lista. Foi através dela que entendi a importância de sentir-me cheirosa e de marcar um tempo e um espaço com uma fragrância única. A combinação pele, creme, perfume e personalidade nos torna inigualáveis.
Todas as viagens feitas no decorrer da vida têm seu buquê. A memória reconhece o cheiro dos quartos de hotéis, de cada estrada percorrida, de cada lugar visitado, de cada cantinho explorado do planeta. Mais uma vez, permito-me fechar os olhos e sinto as essências da casa de praia de amigos queridos em Itanhaém, onde passamos tantas férias juntos. Na carona desta lembrança vem o delicioso cheiro do mar, quente e prazeroso. Um turbilhão de boas sensações me invade!
Durante a minha gestação, há 18 anos portanto, eu enjoei muito nos primeiros meses. Alguns cheiros me faziam passar realmente mal. A partir do quarto mês, esse mal-estar passou como que por encanto, porém, dois cheirinhos específicos permaneceram me causando repulsa. Ainda hoje, não posso sentir perfume de sabonete de aveia e um determinado spray de ambientes. O enjoo é o mesmo.
Há uns 15 anos, assistindo ao programa da Oprah Winfrey, ela entrevistava Sarah Jessica Parker, no auge do sucesso de Carrie Bradshaw, sua personagem em Sex and the City. Sarah lançava seu perfume, Lovely. Eu como boa fã da atriz e da série, prontamente fui atrás. Foi amor à primeira borrifada. Diferente de tudo que eu já havia sentido, leve e sofisticado. Eu uso muitos perfumes, e a escolha depende da temperatura, da ocasião e do meu estado de espírito. Mas Lovely, por mais de dez anos, foi o número um do meu ranking de preferidos. Sequei vários frascos dele, até que soube que sairia de linha. Como assim meu cheiro entraria em extinção e seria apenas lembrança? Saí comprando e armazenando todos que encontrava ao acaso por aí. Hoje, conto apenas com um ínfimo vidrinho que uso com muito amor e carinho. Já não é mais o meu número um, mas tem um lugar especial na minha biografia. Segundo o Pietro, meu filho, “esse é o verdadeiro cheiro da mamãe”, pois fez parte da infância dele, ele cresceu sentindo esse perfume em mim. Não tenho a menor dúvida, que no futuro, será o Lovely que aguçará suas lembranças maternas.
Quando eu namorava meu ex-marido, ele usava um determinado perfume, que quando acabou, pedi a ele o vidro vazio para que eu guardasse e lembrasse para sempre daquele cheiro que me fazia tão feliz. Guardei-o numa caixa de recordações junto com cartas, cartões e outros mimos. E lá ele permanece por 26 anos. Não sou daquelas que se desfaz das lembranças por raiva de uma história que chegou ao fim. Não renego meu passado. Antes de virar dor foi amor, e não permito que uma coisa anule a outra. Faz parte da caminhada da vida.
Carrego em mim o cheiro de todos os amores vividos e das noites de sexo amanhecidas nos lençóis amarrotados, nas roupas espalhadas pelo chão, nas taças de vinho vazias como testemunhas. É inebriante!
Espero que ao ler este texto você se permita fazer o mesmo exercício que fiz aqui. Viaje! Sorria! Chore se preciso for! E caso alguns desses aromas te intoxique com lembranças não tão legais, volte o rosto ao sol. Inspire! Respire! Nada melhor para eliminar um cheiro ruim do que uma bela exposição ao sol. Se funciona com colchão velho, há de funcionar com a gente.
Que a vida nos traga mais e mais perfumes, mais e mais aromas, que seguirão conosco contando a nossa história.