Quem espera sempre se decepciona
“A expectativa é o maior impedimento para viver:
leva-nos para o amanhã e faz com que se perca o presente.”
(Sêneca)
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Eu sempre bato na tecla que não devemos esperar nada de ninguém. É inútil e totalmente desnecessário. Jamais me esqueço que a vida é uma batalha solitária e nossa jornada só depende de nós. É pessoal e intransferível. Encontrar uma mão estendida aqui outra ali, pelo caminho, é muito bem-vindo, mas não é o Norte. As pessoas não estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas, assim como não estamos aqui para satisfazer as delas. Quando não esperamos nada de ninguém, evitamos trombar a cara feiosa da Dona Decepção.
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Cada um nos dá aquilo que tem e que está disposto a oferecer. Ouço muito por aí em tom lamentoso: “Meu mal é fazer pelos outros o que gostaria que fizessem por mim.” Como assim? Faça porque acha que deve fazer, porque quer e pode, porque está colocando amor nisso, porque tem tempo e disposição, não porque espera recompensa por ser “bonzinho”. Doação!
São sinônimos de doar: dar, dadivar, ofertar, oferecer, presentear, brindar, obsequiar. Ceder de forma gratuita, transferir, passar, legar, deixar.
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Doações são benesses, prendas, dádivas, graças, ofertas, presentes, oferendas, donativos.
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A semana que passou me fez pensar bastante nisso. Rolou uma discussão inútil nas redes sociais sobre um cara que dividiu uma conta de R$20,00 com uma mulher durante um encontro. Caramba! Queimamos os sutiãs nos remotos anos de 1960 e em 2021 ainda estamos discutindo a obrigatoriedade de o cara pagar a conta ou não.
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O que mais me deixou boquiaberta nos comentários foram as justificativas para a malhação do Judas. Muitas diziam que tudo que é feito para as mulheres é mais caro. Elas arcam com a manicure, a depilação, a maquiagem e afins, apresentam-se lindas e cheirosas e o mínimo que o cara tem a fazer é pagar a conta. Oi? Isso para mim é venda. Existe uma moeda de troca aí nesse discurso e, no caso, ela é a mulher! Minha avó materna, Marina Menendez, que fugiu de um casamento abusivo em 1948, baixaria num terreiro qualquer para me puxar pelas orelhas se me visse reproduzindo esse discursinho barato, raso e sem lógica.
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Eu me cuido porque gosto, porque me trato com carinho, por vaidade e bem-estar. Eu não me arrumo e me perfumo para suprir as necessidades de ninguém, portanto, essa conta é só minha. Passo perfume para dormir sozinha, porque, e tão somente, eu me amo e me quero bem. É uma escolha minha e ninguém tem absolutamente nada a ver com meus hábitos de higiene.
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Ora, por essa ótica, se eu não tenho um encontro marcado eu serei uma eterna relaxada, fedida e abandonada por mim mesma.
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Minha mente não alcança esse raciocínio vindo de mulheres ditas feministas. Lamento e vejo o quanto ainda temos a caminhar. Entristeço-me por compreender que esse tipo de pensamento atrasa a nossa luta e dá armas ao machismo para seguir nos depreciando, nos achatando sob as botas do patriarcado e nos chamando de loucas.
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Uma pessoa que já saiu de casa na expectativa que a outra pagasse a conta, estragou o rolê. Não viveu o presente, esperando o momento que o garçom traria a fatura. Não se permitiu conhecer a pessoa que estava em sua companhia. Rotulou-lhe como muquirana e saiu esbravejando pelas redes sociais. Quanta amargura! Às vezes, aquela pessoa estava apenas passando por dificuldades financeiras e era um baita cara legal. Criou uma expectativa em relação ao outro que, uma vez não cumprida, determinou toda a sequência de horrores que se seguiu.
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Frustrou-se porque quis! Esperou algo porque quis! Adultos precisam aprender a arcar com as consequências de suas escolhas e parar de culpar o amiguinho. Se a conta fosse paga por gentileza, por caber no bolso do outro, que bacana, que surpresa agradável! Mas isso jamais pode ser encarado como uma obrigação.
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Somos protagonistas da nossa biografia. Coadjuvantes podem ou não subir no palco conosco. E quando subirem, não podem ser alvo do despejo de nossas possíveis frustrações e expectativas. Serão apenas outros seres humanos desbravando suas próprias individualidades. Parcerias são uma delícia, mas podem não durar para sempre. O lance é saber encarar o palco mesmo quando ele estiver deserto. Dance! Dance como se ninguém estivesse olhando! Não espere aplausos! Jamais pare de dançar! Viva!
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