top of page
Minha Nárnia particular

“Adoro os prazeres simples. Eles são o último refúgio de um espírito complexo.”

(Oscar Wilde)

 

Eu tenho um instinto de sobrevivência bastante apurado, e ele se manifesta de muitas formas quando fareja a insatisfação, a tristeza, a frustração ou similares. Já falei neste blog algumas vezes que não tenho vocação para ser amarga. Odeio pouquíssimas coisas nessa vida, mas sentir-me triste encabeça essa lista. Odeio! Odeio e luto contra esse sentimento com todas as forças. Luto para sair dos buracos existenciais que, muitas vezes, eu mesma cavo.

 

Nosso bem-estar vai muito além das condições financeiras ou sociais estáveis. Nossa condição psíquica e emocional é o que conta no final, é ela que dá as cartas nesse jogo. Lembro-me de quando, ainda na infância, assisti à uma série sobre a vida de Barbara Woolworth Hutton, herdeira de uma das maiores fortunas do mundo. Barbara, durante um longo período, figurou entre as mulheres mais ricas do globo, e morreu sozinha com apenas 3.500 dólares em sua conta bancária. Sua biografia foi pautada no dinheiro, seus sete casamentos careceram do ingrediente principal, o amor. Ela casou-se, inclusive, com Porfirio Rubirosa, playboy dominiquenho de fama internacional, amante das grandes divas do cinema, e com Cary Grant, um dos maiores astros de Hollywood das décadas de 1930 e 1940, o sonho de consumo de qualquer mulher que viveu naquela época e, ainda assim, foi tremendamente infeliz. Barbara tinha apenas saldo bancário, investimentos, propriedades e ações, não à toa sua biografia foi intitulada “Pobre Menina Rica”. Ela padeceu de falta de afeto.

 

Desde muito cedo, entendi que tudo, absolutamente tudo, nessa trajetória chamada vida, só dependeria de mim. Que muitos personagens surgiriam no meu caminho, mas que a condução dos meus passos seria da minha inteira responsabilidade. Que quaisquer ônus ou bônus seriam frutos das minhas escolhas. Entendi que o tempo poderia ser meu algoz, mas também um grande aliado. Tudo dependeria das rotas traçadas por mim.

 

Como disse Ruth Manus no capítulo “A delícia de perceber que a vida seguiu em frente", do seu livro “Um dia ainda vamos rir de tudo isso”:

 

"O relógio de nossa vida pode até brincar de ficar parado, mas o tempo nunca falha conosco. O tempo que nos angustia é o mesmo tempo que cura. E ele vai passando mesmo que a gente não veja. Ele sangra, esteriliza, cicatriza. E de repente, não mais que de repente, você percebe que algo mudou. Não tem a ver com esquecer. Esquecer a própria história é um desperdício. Tem a ver com superar. E superar é tornar-se maior. Não tem a ver com novos amores, tem a ver com nós mesmos, com olhar para frente e ver um futuro sem obstáculos, sem fantasmas nem traumas do passado."

 

A vida está aí para ser vivida. A alternativa a isso, que é interrompê-la precocemente, não me seduz. Por algum motivo, nascemos e cá estamos. Não é fácil. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, assim canta Caetano e eu faço coro. Quando buscamos respostas, muitas vezes, piramos. Elas não são claras e exatas como a matemática, elas são pura filosofia e aí cabe divagar, divagar, divagar... e nem sempre concluir.

 

Ahhhhh... essa nossa inútil e desnecessária mania de querer uma resposta e uma explicação para tudo. Tentar racionalizar a emoção é perda de tempo, é perda preciosa de vida. Sentir vale mais do que explicar, acredite. Sinta! Esgote seus sentimentos.  Deixar a razão de lado, em certas ocasiões, nos ajuda a seguir. O caminho é longo, não podemos esquecer. Temos que aprender a aliviar a bagagem, senão o peso nos impedirá de seguir adiante.

 

Quando olho para trás, e enxergo tudo que vivi nesses 46 anos e meio de vida, chego a me assustar com a minha capacidade de perseverar, de insistir, de teimar, de me recusar a aceitar aquilo que parecia inevitável. Sou um ser humano buscando equilíbrio nessa corda bamba que é viver. Acerto, erro terrivelmente, mas ainda não desisti. Pode ser até que uma hora eu me canse, mas isso não é para já. Abasteço-me dos bons momentos vividos para aguentar o fardo das grandes batalhas. Sigo pollyannando e acreditando que após a tempestade virá a bonança. Até agora, ela não falhou!

 

Escrevo sobre isso para registrar minha passagem por esse mundo, apenas. Não há intenção alguma de servir de exemplo, longe disso. Volto a dizer, cada um de nós conhece seus caminhos, suas dores, suas superações e o sabor amargo das suas derrotas. Quando o assunto é viver, não cabem manuais, não existem instruções, porque cada ser é único e cada estrada se apresenta de uma maneira. Ainda não inventaram um GPS para condução da nossa existência. E, pensando bem, que chato seria.

 

Chamo o meu instinto de sobrevivência, que citei no início do texto, de minha Nárnia particular. Eu tenho uma capacidade ímpar de me distanciar da realidade e me refugiar num mundo só meu, blindando-me de alguns desgostos. Agarro-me a futilidades e isso me ajuda a navegar pelo mar revolto. Desvencilho-me das correntes que me prendem ao problema. Sei que ele está lá, mas o encaro de fora, repetindo para mim mesma que ele é parte, mas não é o todo. Não existem milagres, certas dores são inevitáveis, mas existem alguns oásis em meio aos nossos desertos particulares. Eu já identifiquei os meus. Para sobreviver a dureza de alguns acontecimentos e, até mesmo da rotina do cotidiano, preciso me dedicar aquilo que amo, aquilo que me faz sair da zona de lamentação e autovitimização. A dança, a literatura, a escrita, a arte em todas as suas expressões, é a minha grande tábua de salvação.

 

A arte está por trás dos muros que construí ao meu redor para me proteger dos duros golpes da vida. Lembro-me que ao final do meu casamento, quando tudo estava chato e monótono para os dois e, ainda não sabíamos como sair daquele labirinto, joguei-me de cabeça na pintura, montava álbuns de scrapbook, lia a exaustão, assistia filmes até o amanhecer. Essa era a minha Nárnia, o meu modo de silenciar o mundo e entrar num universo paralelo para não enlouquecer com a frustração e a insatisfação que substituíram o amor que nos unia. É claro que isso não faz com que o problema deixe de existir, mas alivia, adormece enquanto entramos no mundo fictício dos personagens que acabam se tornando íntimos e cúmplices das nossas angústias. Preciosas companhias que preenchem nossos vazios e não nos julgam. 

 

Humphrey Bogart disse para Ingrid Bergman na cena final de Casablanca: “Nós sempre teremos Paris!”. E eu sempre terei minha Nárnia particular, um lugar leve, colorido, sempre quentinho e que me acolhe com carinho.

 

Se tiver calmaria, é para lá que eu vou!

© 2025 por Fabiana Rongo e Jaimar Martins | Criado com Wix.com

bottom of page