Eu não me vejo com os olhos dos outros
“Em toda comparação alguém será exaltado e alguém será inferiorizado.”
(Elias Henrique)
Essa semana vivi uma experiência que me encheu de orgulho e me fez revisitar outras experiências vividas por mim.
Eu contei em Fabianices sobre a satisfação que senti ao ver pela primeira vez o meu nome estampado num importante anuário do mercado de capitais. O tal livrinho era o meu pesadelo quando iniciei minha carreira tardiamente nesse segmento, até então, totalmente desconhecido para mim. Conforme narrei, no meu primeiro emprego, completamente perdida e desorientada, meu chefe me entregou o livro e disse: “Se vira! Procure os nomes dos principais executivos, das principais empresas, e marque reuniões para mim.” Eu não podia falhar e, apesar de tantos “nãos” na cara, segui perseverando. Pela primeira vez, deparei com aqueles nomes estranhos que hoje fazem parte do meu dia a dia e dividem salas de reuniões comigo.
Nove anos se passaram e dei mais um passo, involuntário, mas ainda maior. Agora, além de ter o nome eternizado entre os papas do mercado, fui convidada a participar do seu mais importante evento. Terei voz, participarei de um painel com mais cinco executivos, todos homens, discutindo assuntos relevantes e tendências para os FIDC – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios. Baita palavrão, mas que, há muito, já perdeu a roupagem de monstro para mim. O bendito anuário sempre cruzando o meu caminho.
Esse detalhe da minha vida me levou a pensar em quantas vezes eu ouvi de pessoas que me conhecem a frase “Você é um exemplo!”
Exemplo? Que exemplo? Não quero ser exemplo. Não tenho essa pretensão. Não sou nada além de mim mesma. Sou apenas uma mulher que vive sua vida do jeito que dá, que consegue, que suporta, sem bússola, lutando com as armas que se apresentam. Ser exemplo me tira o direito de errar. O medo de errar me tira o direito de tentar. Não existem caminhos certos ou errados, existem caminhos possíveis, e são estes que trilho, muitas vezes de olhos vendados, sem garantia alguma de sucesso.
Cada história é uma história. Eu não suporto aquele tipo de frase “Se fulano conseguiu, você também consegue!” Não é bem assim. Volto a repetir algo que já escrevi em outros textos, “Nem todos que vão à luta vencem.” Infelizmente! Tentar nem sempre é conseguir. Cada ser humano está inserido num contexto.
Não posso ser hipócrita e dizer que o mérito de estar hoje num lugar melhor do que aquele que parti é todo meu. Existem muitos fatores que contribuíram para a minha “glória”. Minha imagem abre portas, sou o estereótipo do aceitável socialmente. Nasci numa família classe média que me deu educação, amor e alimento. Na maratona da vida já larguei uns bons metros à frente de muitos.
A sorte também me sorriu algumas vezes, encontrei pessoas dispostas a estender a mão e a me ouvir. Estas amansaram a queda resultante daqueles que esticaram o pé para que eu tropeçasse.
“A única pessoa com a qual você pode se comparar é com você mesmo no passado.” Sigmund Freud estava certo ao afirmar isso. Todas as outras comparações são desnecessárias, são combustíveis para o desânimo e para que a frustração se instale.
Quando apreciamos a vitória de alguém, focamos apenas no resultado. Negligenciamos o caminho percorrido. Só quem viveu uma batalha conhece o amargor que o acompanhou, as dores emocionais que enfrentou, o fundo do poço que frequentou, a solidão que experimentou.
Não podemos nos olhar com os olhos dos outros. Os olhos admiram apenas o podium e ele não corresponde ao todo.
Eu sou fruto da geração Xuxa e, desde a infância, indigno-me com seu discurso de escalada ao sucesso, que dizia que ela lutou e conseguiu, que todos poderiam seguir seu exemplo e também chegar lá. Quantas Xuxas conhecemos na vida? Ela é um “sim” dentre bilhões de “nãos”. Ela teve a história dela, mas nem todas se apresentam assim. A beleza lhe abriu portas, é fato. Teve padrinhos influentes. Não estou aqui tirando-lhe o mérito, mas sim afirmando que se trata de um discurso perigoso. A menina que nasceu nos confins desse país, sem seu par de olhos azuis, que tentar vencer, incentivada pelas palavras do ídolo, e não chegar a lugar algum, vai se sentir uma fracassada, desanimada e as consequências poderão ser cruéis.
É preciso ter em mente que o sucesso não está relacionado à fama. A vitrine nem sempre é o melhor lugar para se estar.
A letra de uma das suas músicas que mais toca, ainda hoje, sempre me incomodou:
“Tudo pode ser, se quiser será
O sonho sempre vem pra quem sonhar
Tudo pode ser, só basta acreditar...”
“Tudo que eu quiser
O cara lá de cima vai me dar...”
Há de se ter muito cuidado e respeito quando se aceita o lugar de mito, de exemplo. Eis um trono que dispenso.
Talvez, por isso, eu não engula os discursos dos coaches diversos que povoaram o mundo nos últimos anos. Tenho pavor dos conceitos meritocratas.
Eu só quero caminhar sem medo de me paralisar e sem saber aonde vou chegar. Quero ser minha essência sem precisar me esconder. Quero transitar pelo mundo sem me preocupar com a plateia, sem me preocupar com olhares carregados de expectativas sobre mim. Quero me permitir, experimentar. Não quero ser seguida, aplaudida, ovacionada. Não pretendo ser imitada, repetida. Não vivo dessa louca pretensão. Quero apenas seguir sendo respeitada e respeitando a individualidade de cada um.